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Por Humberto Ramos

Vim aqui só pra dizer
Ninguém há de me calar
Se alguém tem que morrer
Que seja pra melhorar
Requiém para Matraga
Canção de Geraldo Vandré

Abre a tua boca em favor
dos que não podem se defender;
sê o protetor dos direitos
de todos os desamparados!
Provérbios 31:8

Golpe tem sido uma palavra frequente entre nós, brasileiros e brasileiras. Escrevemos, pronunciamos, pensamos. Alguns para denunciar, outros para negar. A história da nossa política tem sido marcada por esta expressão. Nos últimos capítulos de nossa vida nacional, retomamos mais ardorosamente a palavra. Muitos de nós ainda denunciamos 1964, tampouco toleramos 2016. Não conseguimos ainda resolver nossas pendências com um passado que se faz sempre presente. Anteontem à noite, fomos mais uma vez golpeados. Golpeados na carne e sangue de Marielle Franco, vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Rio de Janeiro, mulher, mãe, negra, lésbica, da favela e militante dos Direitos Humanos.

Marielle foi assassinada a tiros logo após um evento político com mulheres negras. O carro utilizado pelos agressores pareou-se ao seu, e daí os disparos. Também faleceu ali o motorista Anderson Pedro Gomes, que lhe prestava serviços. Nada levaram além de sua vida. A boa lógica nos faz pensar em um ato de execução. Silenciamento!

A voz de Marielle soava alto demais. No dia 28 de Fevereiro, Marielle assumira a função de relatora da Comissão Legislativa que acompanhará e fiscalizará a Intervenção Federal (de cunho militar) que ocorre no Rio de Janeiro desde meados de fevereiro deste ano (2018). No último sábado, dia 10 de março – há exatos 4 dias antes de sua morte –, esta aguerrida vereadora havia denunciado o aumento da violência nas atuações do 41º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Ela não se calava!

Em se tratando de ativistas dos Direitos Humanos, sabemos bem que não há coincidências. Segundo o relatório “Ataques letales pero previnibles: asesinatos y desapariciones forzadas de quienes defienden los Derechos Humanos” da Anistia Internacional (2017), o Brasil figura entre os países mais arriscados para se atuar em defesa dos Direitos Humanos. E o relatório ressalta: “Desde hace años se observa una constante ya antigua de homicidios, y la situación parece haber empeorado desde que el Programa Nacional de Protección de los Defensores de los Derechos Humanos quedó debilitada en 2016.”

É inegável que as coisas pioraram muito desde 2016, quando do “Impeachment” da presidente Dilma Rousseff; e temos vivido uma de nossas piores crises políticas. Uma crise que tem abalado especialmente nossas estruturas institucionais, tornando a população cada vez mais descrente, alimentando o niilismo entre muitos e, temerosamente, fomentado discursos extremistas. Discurso este ostentado por cidadãs e cidadãos e, obviamente, líderes políticos – ambos sem qualquer receio de flertar com o fascismo.

E é lamentável notar o quanto o ódio e a intolerância se propagam pelo nosso país. Inclusive, grupos de cristãos evangélicos e católicos (de dentro e de fora da política institucional) têm manifestado apoio à candidatura presidencial do deputado carioca Jair Bolsonaro, cujas propostas para a Segurança Pública e todos os demais problemas do país se resumem a uma só expressão: “Bandido bom é bandido morto”. É certo que não representam a totalidade dos cristãos, sequer podemos dizer que são a maioria. Entretanto, trata-se de grupos bastante influentes, cuja autoridade religiosa tem sido utilizada para legitimar discursos e narrativas de significativa violência simbólica.

Discursos estes que são marcados por uma visão simplista acerca da criminalidade, cujas declarações em tom de chacota muitas vezes são direcionadas à atuação de defensores e defensoras dos Direitos Humanos. O saldo tem sido crescente ranço e consequente rejeição, por parte da população, a qualquer apelo que se faça nesta dimensão (a da dignidade humana). A propagação da pecha de que militantes dos Direitos Humanos são defensores de bandidos resulta em posicionamentos escabrosos. Entre os comentários em um sitio jornalístico que noticiava a morte de Marielle, um dos leitores comentou “os assassinos é que são as vítimas!” – ironizando.

Coisas piores foram escritas… A falta de sensibilidade diante do sofrimento humano e uma completa ausência de empatia tem caracterizado nossos debates políticos nas redes sociais, e a coisa vem se agravando ao passo em que as eleições se aproximam. Os dias são maus e por vezes nos sentimos desalentados. A cada notícia ruim, a cada perda, a cada violência contra o povo e contra aqueles e aquelas a quem amamos, nosso coração se desfalece. De luto em luta vamos caminhando. A despeito de qualquer coisa, seguimos! Continuamos, ainda que melancolicamente, apostando em dias melhores.

O sangue de Marielle Franco, negra, feminista, lésbica e defensora dos Direitos Humanos, juntou-se, nesta semana, ao sangue de irmãos e irmãs que ousaram acreditar noutro mundo possível. Sua voz continuará ecoando. O espírito de guerreira que animava sua luta por justiça encarna-se em todas e todos nós, que continuaremos em seu mesmo caminho. Resistiremos, como há muito já temos feito!

Marielle, presente! Hoje e sempre!!!

Relatório da Anistia Internacional
https://www.amnesty.org/download/Documents/ACT3072702017SPANISH.PDF

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